A 4a Revolução Industrial, também denominada Revolução 4.0, implica na adoção de nova estrutura produtiva, em verdadeira ruptura ao modelo anterior. A conectividade, inteligência artificial e robótica passam a integrar e ter papel preponderante perante os meios produtivos, produzindo efeitos também no âmbito do Poder Judiciário, sendo o “Juízo 100% Digital” um dos aspectos concretos de tal movimento tecnológico que engloba toda a sociedade.
Mormente após a pandemia de Covid-19, em virtude da qual o mundo se viu obrigado a manter o isolamento social, a necessidade de continuidade na prestação da atividade jurisdicional fez com que saltos largos na implementação e implantação do Juízo Digital fossem dados. Em 2019, a realização de uma audiência de forma 100% virtual era impensável, mas, em meados de 2020, poucos meses depois, essa era a realidade do Poder Judiciário brasileiro.
Pela grande eficácia e eficiência na adoção dos meios digitais na prestação jurisdicional, foi criado o “Juízo 100% Digital”, diante do qual é possível ao cidadão valer-se da tecnologia para ter acesso à Justiça sem precisar comparecer fisicamente aos Fóruns, pois todos os atos processuais são praticados exclusivamente por meio eletrônico e de forma remota, pela Internet, inclusive a participação em audiências e sessões de julgamento, que passam a ser realizadas unicamente por videoconferência. Portanto, trata-se de uma forma de tramitação processual, diante da qual todos os atos são praticados, regra geral, de forma exclusivamente virtual e remota, utilizando-se, para tanto, como meio de conexão, a rede mundial de computadores – internet.
2. “Justiça 4.0”
O “Juízo 100% Digital” faz parte de um programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado “Justiça 4.0 – Inovação e efetividade na realização da Justiça para todos”, que tem por escopo promover o acesso à Justiça, por meio de ações e projetos desenvolvidos para o uso colaborativo de produtos que empregam novas tecnologias e inteligência artificial.
Dentre as ações que fazem parte do Programa Justiça 4.0, além do “Juízo 100% Digital”, estão a implantação do “Balcão Virtual”, o projeto “Plataforma Digital do Poder Judicial” (PDPJ), implantação da Base de Dados Processuais do Poder Judiciário (“Data Jud”) e implantação do sistema CODEX. A tecnologia, portanto, sendo utilizada para otimizar os trabalhos, com grande economia de tempo e recursos, em favor de todos os usuários do sistema, sejam partes, advogados, servidores ou membros do Poder Judiciário.
O “Juízo 100% Digital” está previsto na Resolução no. 345, editada pelo CNJ em 09/10/2010 (e alterada pela Resolução no. 378, de 09/03/2021), devidamente autorizado pelo artigo 196 do CPC, diante do qual:
“Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código”.
Assim, conforme previsto na referida Resolução, a adoção do “Juízo 100% Digital” implica na realização de todos os atos processuais exclusivamente por meio eletrônico e de forma remota, por intermédio da rede mundial de computadores, em autêntico procedimento digital.
“Juízo 100% Digital”: Procedimento
Inicialmente, deve-se registrar que a adoção de tal forma de tramitação processual (pois o “Juízo 100% Digital” nada mais é do que a tramitação do processo judicial de forma exclusivamente virtual) não altera a competência ordinariamente fixada pela legislação processual. O juízo natural se mantém, independentemente de ser adotada a tramitação digital. Em tese, todos os juízos no país deveriam estar devidamente adaptados para tramitar de forma virtual.
Todavia, atento às dimensões e realidades continentais do país, o CNJ estabeleceu que o “Juízo 100% Digital” poderá ser adotado pelos tribunais de modo a abranger ou não todas as unidades jurisdicionais de mesma competência territorial e material, o que significa dizer que, em dependendo do tribunal, poderá haver varas específicas para a tramitação de forma apenas digital, mas assegurando-se, em qualquer hipótese, a livre distribuição. No âmbito do TRT-2a Região, foi editado o Ato GP Nº 10/2021, em 19/02/2021, diante do qual todas as unidades judiciárias do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região participam do “Juízo 100% Digital”.
Mas é preciso esclarecer que, em caso de a parte manifestar a escolha pelo “Juízo 100% Digital” em uma unidade jurisdicional não adaptada para tal modalidade de tramitação, a escolha da parte será tida por ineficaz, como previsto no art. 8, §2o da Resolução CNJ 345. É preciso, portanto, verificar no âmbito do tribunal se há previsão para o “Juízo 100% Digital” em todas as varas ou apenas em algumas delas.
A parte que pretenda se utilizar do “Juízo 100% Digital” deve, no momento do ajuizamento da ação, formular requerimento em tal sentido, fornecendo endereço eletrônico e linha telefônica móvel celular. Trata-se de faculdade do demandante (autor), podendo o demandado (réu) se opor a tal requerimento até a apresentação da contestação ou até sua primeira manifestação no processo, salvo no processo do trabalho, no qual a oposição deve ser deduzida no prazo de 05 dias úteis contados do recebimento da notificação-citatória (sob pena de aceitação tácita).
Uma vez adotado o “Juízo 100% Digital”, as partes poderão retratar-se dessa escolha por uma única vez e até a prolação da sentença, mas ficam preservados todos os atos processuais já praticados de forma virtual, valendo ressaltar que em nenhuma hipótese a retratação ensejará a mudança do juízo natural do feito.
Há que se registrar que há interesse público envolvido na tramitação de forma virtual, tanto que há previsão na Resolução no. 345, no sentido de que próprio magistrado provoque as partes, a qualquer tempo, para que se manifestem sobre o interesse na adoção do “Juízo 100% Digital”, ainda que em relação a processos anteriores à entrada em vigor da Resolução, importando o silêncio, após duas intimações, em aceitação tácita. E o interesse se justifica, como salientado, em razão da economia de recursos públicos com a adoção de tal tipo de procedimento.
E mesmo no caso de recusa expressa das partes à adoção do “Juízo 100% Digital”, o magistrado ainda está autorizado a propor às partes a realização de atos processuais isolados de forma digital, ainda que em relação a processos anteriores à entrada em vigor da Resolução, importando o silêncio, após duas intimações, também em aceitação tácita.
Admite-se, ainda, que as partes celebrem, a qualquer tempo, negócio jurídico processual, nos termos do art. 190 do CPC, para a escolha do “Juízo 100% Digital” ou, ausente esta opção, para a realização de atos processuais isolados de forma digital. Ao magistrado competirá tão somente observar o negócio processual realizado e designar os atos processuais na forma requerida, ou seja, na forma digital.
Como não poderia ser diferente, a comunicação dos ato processuais, sejam citações, notificações ou intimações, podem ser realizados por qualquer meio eletrônico, nos termos dos arts. 193 e 246 V do CPC.
De forma a garantir a inclusão digital, os tribunais fornecerão a infraestrutura de informática e telecomunicação necessárias ao funcionamento das unidades jurisdicionais incluídas no “Juízo 100% Digital” e regulamentarão os critérios para utilização desses equipamentos e instalações. Nesse sentido, foi editada pelo CNJ a Recomendação no. 101, em 12/07/2021, que trata da adoção de medidas específicas para o fim de garantir o acesso à Justiça dos “excluídos digitais” pelos tribunais brasileiros.
Em sede de procedimento digital, não se pode deixar de mencionar a Resolução CSJT nº 185, de 24/03/2017, que dispõe sobre o uso do Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) instalado na Justiça do Trabalho. Diversas regras sobre a prática de atos processuais pelo meio eletrônico estão previstas em tal resolução, mormente nos artigos 17 a 28.
4. Audiências Telepresenciais
Da mesma forma que os demais atos processuais, as audiências e sessões no “Juízo 100% Digital” ocorrem exclusivamente de forma remota. Esta medida pôde ser adotada, em razão da experiência positiva reportada pelos tribunais brasileiros com a realização de audiências telepresenciais durante a pandemia, salvo situações pontuais. Observe-se que a Resolução CNJ no. 345 foi editada em outubro de 2020, mas desde maio de 2020 todos os tribunais brasileiros passaram a realizar audiências exclusivamente de forma remota, de forma a garantir a não interrupção na prestação jurisdicional. Inicialmente, apenas conciliações e iniciais e, logo em seguida, passaram a ser realizadas audiências de instrução processual, cujo resultado se mostrou bastante frutífero. A produtividade aumentou sobremaneira.
Para a realização das audiências, em um primeiro momento, a Justiça do Trabalho utilizou a plataforma Webex, que viabiliza reuniões e videoconferências a distância, com a gravação de todos os depoimentos colhidos e inserção destes no banco de mídias digitais junto ao PJe denominado “acervo digital”. O Ato Conjunto TST. CSJT. GP no. 54, de 29/12/2020, instituiu o Zoom como plataforma oficial de videoconferência para a realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos da Justiça do Trabalho. Além de ter havido a unificação da plataforma como meio de acesso para todo o Judiciário Trabalhista, facilitando a vida dos usuários, mormente dos advogados, a nova plataforma não apresenta, ordinariamente, problemas para conexão ou manutenção desta, com acesso rápido e simples.
A Resolução 354, editada pelo CNJ em 19/11/20, dispõe sobre a realização de audiências e sessões por videoconferência e telepresenciais no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. Estabelece que a “videoconferência” é a comunicação a distância realizada em ambientes de unidades judiciárias, enquanto as “telepresenciais” são as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias.
Logo, uma audiência pode ser realizada de forma física, com a coleta de um ou alguns depoimentos por videoconferência. Ou mesmo com alguns participantes via videoconferência. Mas a audiência em si é realizada nas dependências do fórum. Já a audiência telepresencial é aquela que é realizada totalmente no ambiente virtual, estando todos os participantes (juiz, servidor, advogados, partes, testemunhas) de forma remota.
É possível, também, a realização de uma audiência na modalidade “semipresencial”, diante da qual alguns participantes estão nas dependências do fórum, enquanto outros estão participando de forma remota. Tal recurso tem sido utilizado durante a pandemia, de forma que os excluídos digitais possam participar das audiências nas dependências do fórum, utilizando os equipamentos que são disponibilizados pelo juízo, com auxílio do servidor público. Os demais participam da audiência de forma remota, inclusive o próprio juiz.
As audiências telepresenciais são designadas a requerimento das partes ou de ofício pelo juiz, nos casos de urgência, substituição ou designação de magistrado com sede funcional diversa, mutirão ou projeto específico, conciliação ou mediação e indisponibilidade temporária do foro, calamidade pública ou força maior. Conclui-se, portanto, que mesmo após a pandemia, as audiências telepresenciais continuarão a ser designadas e realizadas. Eventual oposição à realização de audiência telepresencial deve ser devidamente fundamentada, submetendo-se tal oposição e argumentação ao controle judicial, ou seja, o magistrado pode ou não acolher a oposição, também fundamentando sua decisão, na forma do art. 11 do CPC.
Com a previsão da realização de sessões de forma telepresencial ou por videoconferência, a Res.CNJ 354 determina aos juízes que evitem a expedição de cartas precatórias inquiritórias, salvo impossibilidade técnica ou dificuldade de comunicação, em autêntico ganho à duração razoável do processo e em atenção ao princípio da imediação. E mesmo no caso de ser necessária a expedição, o depoente passa a ser ouvido pelo juiz deprecante, por videoconferência, no fórum do juízo deprecado.
A obrigatoriedade de gravação dos depoimentos nas audiências realizadas de forma telepresencial ou que tenham sido colhidos por videoconferência, prevista no art. 7o, IV da Res. CNJ 354, representou enorme ganho em termos de qualidade na preservação da prova oral. Eventual reanálise da prova, em segundo grau de jurisdição, possibilita que o Desembargador-relator passe a ter contato direto com o que foi dito pelo depoente, e como foi dito. Muitas vezes o que se diz é o que menos importa. Nas audiências presenciais, o mero resumo do depoimento transcrito em ata, ditado pelo juiz, não possibilita à Segunda Instância, revisora natural da prova, o acesso real ao conteúdo do que foi produzido. Sem mencionar as inúmeras polêmicas entre os advogados, que insistiam em dizer que o depoente não havia dito isso ou aquilo. Com a gravação, todas essas dificuldades ficam para trás.
É preciso ressaltar que não é obrigatória apenas a gravação, mas a juntada desta em repositório oficial de mídias indicado pelo CNJ (PJe Mídia) ou pelo tribunal, devidamente disponibilizado o acesso às partes. No caso da Justiça do Trabalho, as gravações são disponibilizadas no Acervo Digital e, regra geral, as varas costumam fazer certidões nos processos, com os números de protocolos para que os interessados possam ter acesso aos vídeos.
Ainda no tocante às audiências telepresenciais, no âmbito do Judiciário Trabalhista, foi editado o Ato nº 11/GCGJT, de 23/04/2020, que estabeleceu diretrizes sobre realização, registro e armazenamento das audiências em áudio e vídeo. Além disso, estabeleceu a realização do rito emergencial trabalhista, previsto no art. 6o do referido Ato, com a adoção das regras do código de processo civil para tramitação do feito durante a pandemia. Estabeleceu que, para a realização dos atos das audiências e sessões telepresenciais na Justiça do Trabalho fica dispensado o uso de vestes talares, mas recomendou o uso de vestimentas condizentes com o decoro e a formalidade dos referidos atos. Não se pode esquecer que, mesmo sendo realizada de forma remota ou virtual, trata-se de uma audiência judicial.
5. Considerações finais
Em consonância com o atual estágio da sociedade, impregnada pela tecnologia e altamente conectada, o Poder Judiciário propõe meios céleres, eficientes e eficazes para que a prestação jurisdicional possa, de forma ininterrupta, chegar ao jurisdicionado, e dentre estes meios está o “Juízo 100% Digital”.
Como visto, trata-se da possibilidade de um processo tramitar de forma exclusivamente (ou preponderantemente) virtual, com a realização dos atos processuais de forma remota, através da rede mundial de computadores ou world wide web, sendo um dos pilares do Programa do CNJ “Justiça 4.0”.
Ao se optar pela tramitação digital, não apenas o peticionamento, mas também as audiências são realizadas de forma remota, constituindo faculdade do autor a opção pelo “Juízo 100% Digital”, que pode ser objeto de objeção por parte do réu. Também pode ser objeto de negócio processual pelas partes ou proposto a estas pelo Juízo.
Não apenas a celeridade, mas a economia que os participantes passam a ter com o Juízo 100% Digital é manifesta. Partes e testemunhas não perdem seus dias de trabalho para participar da audiência. Os advogados atuam em várias comarcas em um único dia e, enquanto aguardam as sessões, podem adiantar de seus escritórios seus afazeres profissionais. Tudo sem mencionar recursos e tempo que deixam de ser gastos no trajeto para deslocamento, diminuindo o fluxo de veículos nas cidades. Enfim, por estas razões, o “Juízo 100% Digital” parece ser opção posta em favor do jurisdicionado que tem potencial para ser efetivamente adotado pelos participantes do dia a dia forense. Processo judicial eletrônico, audiências virtuais, “Juízo 100% Digital”, poderia parecer o futuro, mas é o presente. O presente do Judiciário Trabalhista Brasileiro
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DRA. ANA CRISTINA MAGALHÃES FONTES GUEDES
Juíza do Trabalho Titular da 28a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre em Direito. Especialista em Administração Judiciária.