A ata notarial, dispositivo público pelo qual tabeliães e prepostos dão, a pedido de alguém, confiabilidade jurídica e fé pública a fatos ou situações, é, constantemente, lavrada ao gosto do freguês e sem o necessário zelo com a fidedignidade dos fatos. A Situação é amplamente conhecida por advogados, e, portanto, surpreende sua aceitação como documento com força probante e relevância jurídica. Porém, mais inseguro ainda é a corrente falta de indagação quanto a seu uso no caso de documentos eletrônicos, cuja comprovação da veracidade demanda preparo técnico e infraestrutura inexistentes nos cartórios brasileiros.
Atas notariais sempre tiveram apreciação probatória e aceitação cega pelos juízes. O fato de terem sido lavradas por um tabelião se delimita na tradição luso-brasileira e preserva a distância das exigências da construção da verdade em processos judiciais. Tal conjuntura foi ampliada surpreendentemente com a Lei 11.419/2006, que possibilitou a informatização de processos judiciais no país.
Não houve, ainda assim, a adoção de controles e metodologias de segurança para a formação desse tipo de documento. E foi nesse contexto que o Código de Processo Civil de 2015, distintivamente de seu antecessor, de 1973, trouxe a ata notarial para o capítulo das provas, ampliando-se ainda mais o a categoria de prova judicial, no artigo 384.
Tal colocação causou surpresa, tanto em termos jurídicos quanto tecnológicos. Se esperava que, com o novo CPC, a falta de segurança jurídica na formação das atas notariais em papel fosse respondida. Não o foi. O legislador, de forma melindrosa, reafirmou o procedimento histórico da ata notarial e incluiu os arquivos eletrônicos dentro do rol de possibilidades de realização desse documento. Após a aplicação das tecnologias de informação e comunicação para os procedimentos judiciais, novas falhas, relativas à segurança da informação dessa prática cartorial brasileira, somam-se às antigas.
Sem entrar no mérito das probabilidades de adulteração da ata notarial em papel, no caso do digital, é indispensável atentar para requisitos de segurança de informação, de metodologias de validação e garantia de autenticidade de documentos digitais. Entretanto, quais cartórios possuem política de segurança de informação? Algum tabelião dá garantias tecnológicas? Há metodologias para a realização das atas notariais? Entre outros, não deveria haver influência humana na inserção dos arquivos eletrônicos. E há sempre. Sem essas garantias, não há como atribuir força probante às atas notariais.
A produção de provas a partir de documentos digitais demanda metodologias de proteção auditáveis. É preciso identificar, por exemplo, em que dia e hora um documento digital foi produzido e dar a garantia de sua inviolabilidade após sua produção, o que se obtém com a detecção do Hash de segurança, algoritmo único que cada documento eletrônico detém.
Nada disso é comtemplado na produção de provas por meio da ata notarial, que não atende às regras internacionais de segurança da informação nem à Norma ABNT NBR ISSO/IEC 27002:2005, que institui práticas para a gestão de segurança da informação.
A ata notarial não preserva a proteção do documento digital nem na sua formação nem após. Não há controles de verificação de integridade nem de autenticidade. Mesmo assim, o artigo 405 do CPC estabelece que o “documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença”.
Ao suprimir a possibilidade de má-fé na construção do documento público digital, mostram-se outros problemas capazes de degradar a ata notarial de total fidedignidade? Teria o tabelião capacidade para aferir o que ocorre em termos tecnológicos em um site? É apto a atestar como verdadeiro o assunto que ocorre em sua presença? E se um hacker invadiu o computador do cartório e forjou aquela página? Será auditável a construção daquele documento digital?
Enfim, o legislador do CPC robustece o erro de alçar a ata notarial como documento e dar à palavra dos cartorários o poder da integridade, confiabilidade, confidencialidade e autenticidade que careceria de um documento digital.
Estranhamente, uma antinomia do artigo 384 é encontrada no artigo 407 do CPC: o documento feito por “oficial público incompetente ou sem a observância das formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do documento particular”. A ata notarial não segue nenhum preceito legal de criação de documento digital. Nenhuma norma ISO ou da ABNT.
Conclusão
A ata notarial não guarda a norma do artigo 39, inciso VIII, do CDC, que veta “colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas especificas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro) ”.
Logo, terminantemente, a ata notarial não tem força probante de documento público, apenas a de um documento particular que, como tal, goza de pouca confiabilidade, o que inviabiliza o escopo processual de busca e construção da verdade material.
Paulo Ricardo Ludgero
Advogado Criminalista – Membro Convidado da ANADD- Especialista em Crimes Cibernéticos/Digitais. Escritor. Palestrante. Professor. Especialização em Execução Penal PUC Minas. Especialização em Direito Criminal Empresarial FGV. Pós-Graduação em Direito Processual Civil na Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduado em Direito 3º setor no CERS (Igrejas- Associações -ONGS) Doutorando Em Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires – UBA. Instrutor no PM Cursos